
Por Lázaro Lamberth
Pela sigla parece tratar-se de mais um daqueles programas do governo que só existem no papel. Anunciado no final de setembro pelo governador Jaques Wagner, o Plano Territorial de Qualificação Profissional e Social da Bahia – Planteq, prevê investimentos, até o final deste ano, de aproximadamente R$ 5,5 milhões na capacitação de trabalhadores baianos, em especial pessoas com deficiência – PCDs, uma minoria que enfrenta maior dificuldade para ingressar no mercado de trabalho.
O programa contará com recursos do Governo do Estado e do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, através do Ministério do Trabalho e Emprego. Os cursos serão ministrados por instituições parceiras da Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte – Setre, em 137 municípios baianos e abrangerão capacitação em diversas áreas, incluindo serigrafia, informática, telemarketing, auxiliar administrativo, entre outros.
Se o Planteq for implantado conforme planejado, os benefícios serão muitos. De acordo com dados do último Censo (2000), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, existem no Brasil 24,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que equivale a 14,5% da população. Destes, estima-se que dois milhões estejam na Bahia e quase 600 mil só em Salvador.
Embora o panorama nacional de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade revele avanços significativos, a maioria delas ainda enfrenta situação de violação de direitos, associada à falta de acesso à escola, saúde, trabalho, transporte, lazer e cultura. O preconceito e a falta de acessibilidade são os principais problemas, pois obstruem a participação do deficiente na sociedade, o que aumenta a exclusão, observa Luíza Câmara, presidente da Associação Baiana de Deficientes Físicos – Abadef, que tem deficiência física e usa cadeira de rodas para se locomover.
Acessibilidade
A falta de acessibilidade dificulta e impossibilita o convívio social, aumentando os níveis de exclusão social. Segundo um estudo realizado em agosto de 2006, pela Federação Brasileira dos Bancos – Febraban, a questão está muito mais ligada à conscientização e à sensibilidade do que às leis e normas.
Grande parte dos investimentos realizados para adequações de edificações ou espaços públicos não encontra a devida funcionalidade, pois o enfoque está apenas no cumprimento da legislação. “É comum encontrarmos pela cidade adaptações para deficientes completamente inadequadas”, observa Edmundo Xavier, membro da Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador – Cocas, que, em parceria com a ONG Vida Brasil, vem realizando um estudo com o objetivo de mapear as deficiências da cidade de Salvador na questão da falta de acessibilidade e adaptações inadequadas, no intuito de propor aos órgãos públicos a adoção de medidas para melhorar a situação.
Mercado de trabalho
De acordo com a Lei nº 10.098, de 2000, e o Decreto nº 3.298, de 1999, toda empresa com mais de cem funcionários é obrigada por lei a reservar parte das suas vagas para PCDs. Apesar da obrigatoriedade, há empresas que até hoje não cumprem a legislação. A fiscalização pelo cumprimento das cotas é de responsabilidade da Delegacia Regional do Trabalho – DRT, que, em parceria com o Ministério Público do Trabalho – MPT, autua e multa as empresas que não cumprem a lei.
Por conta da legislação, o número de pessoas com deficiência incluídas no mercado de trabalho vem aumentando progressivamente, mas as ofertas de vagas ainda são maiores que a disponibilidade de profissionais com os requisitos exigidos pelas empresas. Segundo o Centro de Atendimento Profissional de A a Z – Capaz, ligado à Setre, a falta de capacitação é um dos fatores que dificultam o acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, tanto que uma das atribuições do Planteq é justamente promover a capacitação profissional e inclusão desses trabalhadores no mercado de trabalho.
No entanto, segundo o estudo realizado pela Febraban sobre acessibilidade e mercado de trabalho, atribuir a exclusão dos deficientes do mercado de trabalho à falta de capacitação profissional é simplificar demais as coisas, uma vez que tal problema afeta também as pessoas sem deficiência. É necessário tomar cuidado para não subestimar ou superestimar o desempenho desses profissionais, inventando mitos que, em vez de contribuir para a inclusão, acentuem as diferenças e gerem novas formas de preconceito e discriminação.
O que eles pensam
Para o cobrador de ônibus Rubens Nascimento, 28 anos, que perdeu a perna devido a um acidente de carro, embora o preconceito seja uma barreira para a inserção no mercado de trabalho, ele nunca se fez “coitadinho” e mesmo antes de conseguir emprego com carteira assinada através do sistema de cotas, já trabalhava no mercado informal como vendedor ambulante e ajudante de pedreiro.
Na questão da locomoção, é consenso entre as pessoas com deficiência que a falta de transporte público adaptado é o principal obstáculo. Os ônibus equipados para deficientes são poucos e não atendem à demanda da população com deficiência. “Como trabalho no centro da cidade, tenho que sair de casa bem mais cedo, para chegar ao trabalho no horário, sem falar na condição dos ônibus urbanos, completamente inadequados para o deficiente”, afirma Rosimeire Silva, 23 anos, que teve paralisia infantil, anda de muletas e todo o dia enfrenta uma maratona para chegar ao trabalho.
Para quem tem deficiência visual, o problema é ainda mais grave. Na opinião da estudante Mara Barreto, 25 anos, que perdeu a visão aos 18 por causa de glaucoma, a cidade não é estruturada, principalmente para os deficientes visuais. Além da falta de infra-estrutura em Salvador, Mara aponta a discriminação como outro grande problema para a inserção do cego não só ao mercado de trabalho, mas à sociedade como um todo.
á para quem tem deficiência auditiva, a principal dificuldade é a comunicação. Tatiane Souza, 22 anos, que trabalha como empacotadora em um supermercado da cidade, afirma que as pessoas relutam em se comunicar com o deficiente auditivo, por concluir que não serão compreendidas. Diante do impasse, é comum presenciar deficientes auditivos conversando apenas entre si, através da língua brasileira de sinais - Libras, ou usando mímicas e gestos ao se comunicar com as demais pessoas.
Apesar de todos os obstáculos estruturais, preconceito e discriminação, que tendem a delimitar as potencialidades do deficiente, levar uma vida normal é possível. “Na verdade, tornei-me mais ativo depois da deficiência”, avalia o funcionário público Luiz Fernando, 26 anos, que perdeu a perna aos 19 por causa de um câncer no joelho e hoje é casado, cursa faculdade, trabalha, dirige e ainda pratica natação, tudo isso depois de se tornar deficiente. A experiência de Rubens, Rosimeire, Mara, Tatiane e Luiz Fernando são exemplos que comprovam que a pessoa com deficiência, como qualquer outra, pode levar uma vida comum e ser um bom profissional, tão ou mais competente que os demais.