sexta-feira, 14 de setembro de 2007

"ORDEM E PROTESTO"

Por: Daniela Passos dos Santos.

Em entrevista coletiva no último dia 24 de agosto, Marcos Oliveira, atual diretor da Companhia de Teatro Cidadão de Papel e Marli Sousa, também integrante do grupo e ganhadora do prêmio de melhor atriz pelo Festival de Teatro Ipitanga, falam sobre o espetáculo “Fome” e seu engajamento nas questões socioculturais.
O Espetáculo, inicialmente ensaiado no bairro de Itapuã, na laje da casa de Leandro Rocha, membro do grupo que trabalha na preparação de atores, no figurino, na cenografia e na criação de projetos, hoje possui um reconhecimento significativo.
Baseando-se no livro do jornalista e escritor Gilberto Dimenstein, o grupo, em seu espetáculo, cujo palco é o Centro de Cultura São Braz em Plataforma, subúrbio ferroviário de Salvador, chama a atenção para problemas como o preconceito racial, as disparidades na distribuição de renda e o consumismo exacerbado.
Formado por jovens preocupados com problemas sociais que afligem não somente a sociedade brasileira, mas grande parte do mundo, o grupo teatral busca através da arte aguçar o sentimento de repúdio às desigualdades, o que lhes proporcionou o recebimento de um “prêmio especial”, no Festival de Ipitanga (Ba) pela mobilização social. “A princípio, o grupo encontrava dificuldade em ser respeitado, em nos valorizarem, mas assim que nos dão a oportunidade, vêem que somos capazes”, conta Marli.
Problema financeiro não é algo que inibe o grupo, que continua perseguindo seus objetivos - inserção social de jovens no mundo das artes e da cidadania. Prova disso é a “moeda de acesso” à apresentação de “Fome”: um quilo de alimento não-perecível, que, segundo Marcos, serão repassados para os moradores mais carentes do Bairro, que até o dia 15 de setembro, sedia o espetáculo.
Mas esse “trabalho filantrópico”, para Oliveira, é motivo de preocupação. È a primeira vez que eles trabalham com doações de alimentos e isso lhes causa certo receio em acabar fazendo assistencialismo, acreditam que doar coisas materiais é menos significativo que transmitir cultura através do teatro.
Para Marcos, um dos maiores obstáculos que encontram é o fraco incentivo à apreciação das artes: “É necessário incentivo de consumo a produtos culturais e uma maior divulgação das criações artísticas além de apoio aos artistas”, explicita Marcos.
Por essas e outras razões Marli desabafa dizendo: “Não há apenas como viver de teatro. É preciso batalhar muito e isso é um tanto complicado. Às vezes, somos obrigados a abdicar da paixão por essa arte em função das necessidades”.
Ainda segundo o jovem diretor, há muitos grupos que fazem teatro apenas para ganhar dinheiro, o que afirma não ser o seu caso. Para ele, se alguém sabe fazer algo bom, deve usar sua capacidade para ajudar outras pessoas e não apenas para benefício próprio.
Oliveira expõe não receber os mesmo incentivos do início e possuir certa independência, por isso, de todo e qualquer dinheiro adquirido 15% vai para a “manutenção” da Companhia e o restante é dividido em partes iguais entre seus integrantes.
O grupo, que parece possuir grande admiração pelas obras do escritor, atualmente trabalha em um projeto que envolve outro livro de Dimenstein “Meninas da Noite”, onde o mesmo aborda a prostituição infantil no Norte-Nordeste brasileiro. A ligação com Gilberto começou em 1999 e cresceu a ponto de o jornalista doar parte dos direitos autorais de seu livro, cujo nome “O Cidadão de Papel”, foi escolhido também para intitular a Companhia de Teatro. Além disso, de acordo com Marcos, sempre que o escritor vinha a Salvador, durante suas palestras, sempre lhes dava a oportunidade para que os jovens artistas pudessem se apresentar. Isso lhes proporcionou serem conhecidos e reconhecidos por um maior números de pessoas.
A fome de que os jovens cidadãos tratam não é apenas a necessidade fisiológica, mas uma fome em consumir, em possuir ambições que jamais são saciadas, uma sensação que torna os seres humanos cegos e indiferentes aos problemas dos outros. No final das apresentações a frase “Você tem fome de quê?” deixa um espectro no ar.

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